domingo, 23 de setembro de 2018

Este é meu sonho concreto




Este é meu sonho concreto
(by Kevin D. S. Leyser)

A comum indiferença amortece minha consciência
O que os meus olhos não veem, meu coração não sente
Profundamente enclausurado em desculpas racionais
Mergulho em sangue inocente

Mãos atadas por ufanias
Lábios destilando discursos vazios
Sepulcros de mentiras caiadas
Máscaras de corações empedernidos

A comum indiferença amortece minha consciência
Preciso abrir meus olhos 
Antes que a humanidade em mim pereça

Meus olhos estão pesados, mas eu quero acordar
Dos sonhos de uma vida de pura ilusão
De palavras vazias que cansei de escutar
Vazias da graça do amor na ação

Dizer, saber, falar, julgar,
Pregar poder, sem perceber
o que nos define são nossas ações
e o que nos definha é agir sem amor

Rompendo o vício da monotonia
O tédio dos ritos e vãs tradições
Percebo que o Amor somente germina
No Solo Humano da Libertação

Sair das paredes de um mundo mesquinho
que usa as pessoas e ama o poder
Ópio do povo, amortece os sentidos
Não vê o oprimido ao lado sofrer

O que liberta não é um poder para a opressão
É partilhar do cuidado, da vida, do amor, da paz e do pão
Se quero viver em um mundo melhor
minhas palavras serão meu agir
minhas ações, amar e servir
Esta será a minha Revolução

Mas preciso abrir meus olhos e proclamar 
Que “Eu tenho um Sonho”!
Que eu tenho um sonho concreto 
Revelado em minhas palavras e ações

De não nivelar o outro entre a massa dos iguais
De não rejeitar/desprezar o outro como indigno 
Por não ser como eu
Por não pensar como eu
Por ser diferente
Pois o Amar não é possuir
Não se pode amar de verdade
Se amar só o que do outro há em mim

O amor só pode nascer quando o Outro aparece
Quando vejo os seus sonhos, seus desejos, 
a sua vida que não minha
Quando permito-me vê-lo pelo o que é
Pelo o que está sendo

E como um bom samaritano
Estendo a minha mão
Desafiando convenções
Que deveriam curvar-se
Sob a mais elevada lei
Do Amor.

Que ouçam os inveterados defensores da 'Verdade'" 
Cuidem da Liberdade, que a verdade cuidará de si mesma.

Este é meu sonho concreto.

Desadormeço desse dogmático torpor
Pálpebras pesadas, excisadas pela angústia e dor
Desnudado de escusas, vulnerável ao amor e à vida
Insurreto do leito de morte de palavras vazias

Descalço, cônscio do humo na epiderme
Do gérmen dos passos no mundo de Hermes
Não ouso evadir o sonho concreto
Do outro e eu sob o mesmo teto

Do encontro na solidão
Do desespero rasgando a pele espessa da escravidão
Do toque de ásperas mãos
Tateando o corpo da libertação

Dos inaudíveis gemidos, daqueles não escolhidos
Perfurando os ouvidos ungidos e altivos
Da púrpura tinta nas páginas de histórias de glória
o sangue e suor daquelas, daqueles relegados à memória.

Difícil esperançar por tal liberdade, por tal revolução do Amar
Em dias sombrios como estes
Mas hoje é propício lembrar que mesmo tardando
Vale a pena por ela lutar

Pois somos definidos por nossas escolhas
E eu escolho amar, escolho a liberdade
Escolho a Humanidade que ainda há em mim.
E só posso esperançar 
Que você também almeje e viva assim.

Não ao discurso de ódio, não há segregação
Não ao obscurantismo, não ao racismo e a discriminação

Por um povo brasileiro gigante 
Que não se curva ao poder opressor
Por um povo livre e que unidos lute
Por um futuro de paz, liberdade e amor.

terça-feira, 10 de julho de 2018

Enquanto tu dormes, eu existo




Fonte: The Dream (The Bed) - by Frida Kahlo (1940)

Enquanto tu dormes, eu existo

Enquanto tu dormes, eu existo
Será que sonho sou de teu toscanejar?
Despertar taciturno de teus desejos moribundos
Entre as brumas do lúgubre véu noturno
Tateando as tuas sombras que ignoras ao dormitar

Enquanto tu dormes, eu existo
Resido nos espaços entre o teu dizer
Entre tua atonia e espasmos hípnicos 
Oculto em tuas palavras em soníloquo
No tênue limiar entre a noite e o amanhecer 

E se dormisse eu, me afogarias em artimanhas
Pois encobres o pungente odor das tuas entranhas
Estranhas, a vetustez de tuas dores
As soturnas cores de teus amores
Olvidas, empedernido, teus dissabores 

Mas eu não durmo, e ao meu pulsar crês ser indolente
Ofuscas em quimera meus espectros oníricos latentes
Ignescentes, permanecem em tua derme reminiscente
Delineando a silhueta de quem és em tua mente
Mentes, dissimulas, deslocando-me metonimicamente

Enquanto tu dormes, eu existo
Ao despertares, em teu imo persisto
E em vislumbre, frêmito transfigurar
Quando sem pretexto no espelho ousas mirar 
A tua imagem refletida através do meu olhar

(Kevin Leyser)

sábado, 28 de abril de 2018

Amar é ter um pássaro pousado no dedo



Amar é ter um pássaro pousado no dedo

Como o toque de luz que desperta cores e formas
Tal o alvorecer que gentilmente delineia o mundo a minha volta
Assim é o abrir dos meus olhos ao te ver

Vejo-te, Azul-cinza, filha do mar e do oceano
Taumante e Electra lapidaram as tuas profundezas cerúleo
Convidaste-me ao teu recôndito e inundaste-me com teus encantos

Por desertos e campos, vales e montanhas
Nossos pés sempre juntos
Cada passo escrevendo na terra nossa história
No reflexo do límpido céu
No ressoar da brisa do mar
Na imensidão do espaço entre as estrelas e o luar
É a tua presença que sinto constante a me amar

Este amor, aprendemos juntos
Somente germina no solo fértil da liberdade
Amar não é possuir
Não se pode amar de verdade
Se amar só o que de mim há no outro

O amor só pode nascer quando o Outro aparece
Quando vejo os seus sonhos, seus desejos, a sua vida que não minha
Quando permito-me ver-te pelo o que és
Pelo o que estás sendo

Assim, o tempo nos ensinou a ver-nos
E juntos nos tornamos em quem somos agora
Escolhendo a cada dia amar e cultivar
A liberdade que nos define a cada instante
A nos alegrar ao ver as conquistas, o crescimento
O amadurecimento de cada um

Como diria, Rubem Alves: “Amar é ter um pássaro pousado no dedo”
Assim é o nosso amor
A amizade e o amor que construímos juntos
A cada olhar, gesto, palavra, lágrima e sorriso
O tempo nos aprimorou e tornou-nos melhores
Viver ao teu lado
E partilhar os detalhes que compõe a unicidade de nossas histórias
É a melhor escolha que algum dia fiz

A narrativa da nossa história no tecido do tempo
Ultrapassa qualquer distância que momentaneamente
Possamos experienciar

Como outrora havia escrito:

“A distância nos possibilita perceber sentidos
Nos traços que o tempo esculpiu em nosso ser
Suas linhas revelam conexões inauditas
Entre você e eu
O espaço entre nós não nos separa
Somente
Aumenta, reverbera
Ressoa, ecoa
O palpitar
E assim, aquele som
Que timidamente carregava
O teu e o meu tom
Nos envolve e nos preenche em ondas
Na tentativa de um suspiro nos afoga na Saudade
E com os pulmões cheios de versos
Ao abrir a boca toda palavra sai
Encharcada de amor”

E para mim é um privilégio te conhecer mais a cada dia
O tempo em tua pele esculpe uma obra prima
Na epiderme do corpo, imarcescível beleza
Corroeriam os olhos de invídia à deusa Afrodite
Na epiderme da alma sabedoria e destreza
Amalgamadas à ousadia e à força
Deixariam Atenas no oblívio

Ao teu lado, meus olhos testemunhas foram
Desta obra prima do tempo e do amor
Pois escolhestes partilhar tua vida ao meu lado
E por isso sou-lhe eternamente grato.
Pois, o maior mistério é a vida, o da vida é o amor
E tu, para mim, és ambas as coisas.


Libertas quae sera tamen

Libertas quae sera tamen 

Um sonho, ainda um sonho, de não "nivelar o outro" (como diria Kierkegaard) entre a "massa dos iguais", assim como de não rejeitar/desprezar o outro como indigno por não ser como eu - como penso, desejo, creio, imagino que "deveria" ser.

Um sonho em que a liberdade seria o chão comum da unidade (com-unidade), em que um não deixaria de ser quem é, e poderia mesmo assim estar-com um outro que também é.

Um sonho de liberdade, o terreno fértil em que germina o amor. Como diria Rorty - e que ouçam os inveterados "defensores da 'Verdade'" - "Cuidem da liberdade, que a verdade cuidará de si mesma".

Este é um sonho concreto, lembra-me de meus próprios versos...:

"Desadormeço do dogmático torpor
Pálpebras pesadas, excisadas pela angústia e dor
Desnudado de escusas, vulnerável ao amor e à vida
Insurreto do leito de morte das palavras vazias
Descalço, cônscio do humo na epiderme
Do gérmen dos passos no mundo de Hermes
Não ouso evadir o sonho concreto
Do outro e eu sob o mesmo teto
Do encontro na solidão
Do desespero rasgando a pele espessa da escravidão
Do toque de ásperas mãos
Tateando o corpo da libertação
Dos inaudíveis gemidos, daqueles não escolhidos
Perfurando os ouvidos ungidos e altivos
Da púrpura tinta nas páginas de histórias de glória
O sangue e suor daqueles, daquelas relegadas à memória".

Difícil esperançar por tal liberdade, em dias como estes, mas hoje é propício lembrar que mesmo tardando, vale a pena por ela lutar.

“Libertas quae sera tamen respexit inertem
Candidior postquam tondenti barba cadebat;
Respexit tamen et longo post tempore venit [...]" (Publius Vergilius Maro)
Trad:
"A liberdade que (é) tardia, contudo olhou (para mim) inerte
Depois que a barba caía mais branca de mim, que a cortava;
Olhou para mim, todavia, e veio depois de longo tempo [...]"

Libertas quae sera tamen - Liberdade ainda que tardia!